Histórico
O que nos anos 1970 fica conhecido no Brasil como “intervenção urbana” tem, pelo menos, duas referências mais antigas e emblemáticas. A primeira delas são as “experiências” do arquiteto e artista visual Flávio de Carvalho (1899-1973) realizadas entre os anos 1930 e 1950. Como exemplo, vale citar o dia 7 de junho de 1931 quando ele causa tumulto e quase é linchado ao caminhar no contra-fluxo dos fiéis durante a procissão de Corpus Christi com um chapéu verde musgo na cabeça e, vale lembrar, também, aquele outubro de 1956 que entra para a história ao “desfilar” seu traje de verão chamado “New Look” (camisa verde, saia rosa plissada, meia arrastão, sandália de couro) pelo centro da cidade de São Paulo. A segunda referência precursora é a do artista carioca Hélio Oiticica (1937-1980) com a utilização de seus “parangolés”, nos anos 1960. Mais tarde, no final da década de 1970, especialmente em São Paulo, surge uma geração de jovens artistas interessados em realizar ações e obras que ocupem diferentes espaços da cidade, como muros, paredes, estátuas, monumentos, túneis, avenidas, prédios e ruas. Ao mesmo tempo em que procuravam alternativas para o circuito de museus e galerias de artes, esses artistas atuavam sem a permissão das autoridades competentes, como era o caso do grafite, da pichação poética e de outras formas de intervenção e comunicação urbana então emergentes. Entre os grupos ativos nessa época estava o 3NOS3.Formado em abril de 1979 pela reunião dos artistas paulistanos Hudinilson Jr. (1957), Mario Ramiro (1957) e do gaúcho Rafael França (1957-1991), o 3NOS3 entra para a história ao realizar, em seus quatro anos de existência, 11 intervenções públicas. Em todas elas, a marca da transgressão, da ilegalidade e da manifestação de pensamentos e práticas marginais aos processos oficiais. O grupo, que contou com o patrocínio da empresa Plastic Five---Indústria e Comércio de Plásticos em vários projetos, atuou até o ano de 1982.
O primeiro trabalho do 3NOS3 é o Ensacamento, realizado durante a madrugada de 27 abril de 1979, quando os três artistas cobriram estátuas e monumentos públicos com sacos de lixo que só foram removidos durante a manhã, causando polêmica e confusão. Os jornais Folha da Tarde, Última Hora e Diário da Noite reportaram o acontecido, além de caracterizá-lo como um fenômeno que se propaga via meios de comunicação. No mesmo ano, no dia 6 de julho, o segundo projeto do grupo é concretizado. Chamado Operação X-Galeria, a ação consistiu no fechamento das portas de várias galerias de arte com um adesivo/lacre em forma de “X” e com folhas de papel mimeografadas afixadas com a frase: “o que está dentro fica, o que está fora se expande”.
Ainda em 1979, no mês de agosto, para a intervenção Triptico, três grandes telas são posicionadas na frente do Teatro Municipal e lá permanecem por três dias até serem removidas. Por fim, em 21 de setembro, para efetivar Interdição os três artistas utilizaram faixas compridas de diversas cores de papel celofane para bloquear o tráfico no cruzamento da Avenida Paulista, na frente do Museu de Arte de São Paulo, o MASP. Embora de duração efêmera, essas performances/intervenções alteraram radicalmente a paisagem e o fluxo urbanos e desdobraram-se através dos meios de comunicação (reportagens jornalísticas em mídia impressa e televisiva, fotografias, telefonemas, boca-a-boca), desenhando-se, também, como uma forma precoce do que viria a ser chamado de “artemídia”, posteriormente.
No ano seguinte, em 1980, o 3NOS3 realiza outras três intervenções. Em janeiro, na cidade de Porto Alegre (RS), a palavra “arte” é escrita em luzes cintilantes na fachada do Instituto de Previdência do Estado para dar vida a obra de mesmo nome: ARTE. A seguir, em maio, é a vez do provocativo Suprematismo: uma forma triangular preta e branca instalada sobre a parede do prédio da antiga Indústria Matarazzo. Depois disso, em julho, eles produziram Intervenção IV, uma intervenção em larga escala onde utilizaram 100 metros de politileno vermelho sobre a faixa de pedestre no cruzamento das avenidas Paulista, Rebouças e Dr. Arnaldo. O evento foi noticiado pela Rede de Televisão Globo e pelos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo.
Em 1981, Hudinilson, Mario e Rafael criam três outras performances: Conecção, B'81 e Arco 10. Conecção (fruto da contração de ‘conexão’ com ‘ação’) aconteceu no cruzamento das avenidas Rebouças e Dr. Arnaldo e não passou desapercebido dos meios de comunicação. Metros e metros de filme polietileno foram colocados na grade de ventilação do metrô numa área coberta de grama. Já B'81 aconteceu por ocasião da XVI Bienal Internacional de São Paulo, no Parque do Ibirapuera. Novamente, filme de polietileno, 50 metros deles, foram esticados em frente da entrada antiga do prédio da Fundação Bienal, conectando os dois extremos da quadra Armando de Arruda Pereira e cobrindo o busto de bronze do prefeito. O projeto foi apresentado dentro do Núcleo I, desta Bienal. Arco 10, em dezembro, foi a segunda grande intervenção do 3NOS3. 100 metros de papel celofane amarelo foram dispostos sobre o viaduto da Avenida Dr. Arnaldo.
A última intervenção do grupo, 23 Maio, aconteceu em 1982 e foi assim chamada justamente por ter ocorrido numa área gramada da avenida de mesmo nome. A mudança de Rafael França para Chicago, nesse mesmo ano, marca o fim das atividades do grupo 3NÓS3. Após sua dissolução, cada um dos integrantes seguiu seu caminho. Hudinilson Jr. e Mario Ramiro vivem e trabalham em São Paulo. Rafael França veio a falecer em 1991 em Chigaco, aos 34 anos.
Para saber mais sobre o 3NOS3, leia o artigo Between Form and Force: Connecting Architectonic, Telematic and Thermal Spaces de Mario Ramiro e veja, também, o artigo 3NÓS3---Intervenção Urbana na revista Arte em São Paulo, de outubro de 1981.
Obras
Ensacamento, São Paulo, 27 abril de 1979. Noticiado pelos jornais impressos Folha da Tarde (28 de abril de 1979), Última Hora (28 de abril de 1979) e Diário da Noite (28 de abril 1979).X-Galeria, São Paulo, 1979. Noticiado pelos jornais impressos Folha de São Paulo (7 de abril de 1979) e Jornal da Tarde (7 de abril de 1979).
Triptico, São Paulo, 1979.
Interdição São Paulo, 1979. Noticiado pelo Jornal da Tarde (22 de setembro de 1979).
ARTE. Porto Alegre, 1980.
Suprematismo: São Paulo, 1980.
Intervenção IV, São Paulo, 1980. Noticiado pela Rede de Televisão Globo (16 de julho de 1980) e pelos jornais Folha de São Paulo (20 de julho de 1980) e O Estado de São Paulo (15 de julho de 1980).
Conecção, São Paulo, 1981. Noticiado pela Rede de Televisão Globo e pelo jornal O Estado de São Paulo (14 de maio de 1981).
B'81 São Paulo, 19781.
Arco 10. São Paulo, 1981. Noticiado pela Rede de Televisão Globo e pelo jornal Folha de São Paulo (9 de dezembro de 1981).
23 Maio, São Paulo, 1982. Noticiado pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT).
fonte: http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-index.php?page=Grupo+3NOS3